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Entrevista a José Nunes Cerqueira Neto

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Meu dia começa invariavelmente com a frase do Drummond:  “Clara manhã, obrigado. O essencial é viver”. Entretanto não tenho  nenhuma rotina matinal. 

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você  tem algum ritual de preparação para a escrita?

Não tenho uma hora específica do dia em que eu sinta que  trabalho melhor. Tem mais a ver com a disposição e a atitude de sentar na frente do computador com o intuito de escrever algo. Mas mesmo assim, muitas vezes, acontece de eu não escrever nada, mesmo nesses momentos. Portanto não existe um ritual e a literatura se escreve por linhas e vias tortas. 

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos  concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Como eu disse, não existe nenhum ritual ou compromisso de  escrever: metas, horários, quantificações do que quer que seja. Às vezes  escrevo mais de um poema num só dia e às vezes passo longos períodos  sem escrever nada. Nunca forço a literatura “a desprender-se do limbo”. 

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você  compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da  pesquisa para a escrita?

Meu processo de escrita é um tanto aleatório, quer dizer, não  sei como se dá. Em se tratando de livros em prosa, naturalmente, preciso de algumas observações e notas para começar a escrita, mas acontece de a redação seguir por outros caminhos totalmente diversos do concebido  inicialmente a partir das notas. Basicamente para começar a escrever é preciso um mote, um gancho, um insight. Essa é a passagem da ideia para a ação, no ato de escrever. 

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação,  o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de  trabalhar em projetos longos?

As travas da escrita acontecem, mas, no meu caso, nunca é  devida à procrastinação ou ao medo do que quer que seja. A trava é  um bloqueio, uma certa dificuldade de colocar “o carro” em movimento.  Uma das alternativas, nesses casos, é começar com uma espécie de  escrita automática, sem roteiro, para depois ir se delineando .

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes  de publicá-los?

Reviso muitas vezes os meus escritos. Isso é fundamental. É  preciso esperar pela decantação do texto. Deixar a massa descansar para  depois trabalhar em cima dela. “A literatura é a emoção recolhida em  tranquilidade”.  

Considero a publicação uma coisa muito séria e nunca o faço  sem antes ter a certeza de que está realmente pronto, que não existem  palavras faltando ou sobrando. Por isso nunca altero um livro depois  de publicado. É uma luta difícil e solitária, pois dificilmente submeto os  meus escritos a alguém, a outras pessoas, antes de publicá-los. 

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus  primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Inicialmente eu escrevia à mão, mas geralmente era na  máquina de datilografia. Depois, com o advento do computador, já  escrevo minha literatura diretamente no computador. Que tem a enorme  vantagem de você já ir fazendo as alterações pretendidas no momento  mesmo em que escreve. 

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que  você cultiva para se manter criativo?

Não faço ideia de onde vêm as ideias, mas acredito que elas  nos chegam por derivações, tabelas. Algo como esbarrar numa pedra no  meio do caminho da vida e, não sendo possível removê-la, necessário se  faz sentar-se ao pé dela num esforço de decifração. Naturalmente que  com o tempo a gente desenvolve alguns costumes, alguns hábitos para  lidar com este nosso lado obscuro e iluminado. 

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao  longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita  de seus primeiros textos?

Observo poucas e pequenas mudanças no meu processo de  escrita ao longo destes 30 anos de literatura. É um processo que tende  a se repetir por ser cíclico. Acho que na verdade passamos toda a nossa  vida escrevendo as mesmas coisas sempre, variações sobre o mesmo  tema. Mas de forma um pouco diversa, como se fossem roupagens que  vestimos depois de um suposto banho. Sendo assim, se fosse para eu  dizer a mim mesmo como fazer, se se fosse possível voltar no tempo, acho  que eu faria tudo da mesma forma que fiz. Mas isso é uma coisa que,  não sendo possível, o melhor é a gente deixar isso para lá. 

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?  

Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Finalmente, eu tenho ainda mais alguns poucos projetos na  cabeça e já delineados no papel, pelo menos em esboços, como etapas de um planejamento que, acho que poderíamos chamar assim, de algo como uma “carreira literária”. Mas são passos delineados no escuro, pois nunca sabemos quanto tempo ainda vamos viver. Seja como for, pretendo chegar num ponto em que possa suster o meu processo criativo e dar por encerrada a minha atividade literária. Talvez mais uns 4 livros e já estará de bom tamanho e eu poderei (ou pretendo) descansar e talvez então dedicar-me a ler o livro que nunca foi ou será escrito, quando então já estaremos mortos.