Quando começou a escrever? Quais obras e autores mais te influenciavam? São os que influenciam ainda hoje?
Por volta dos 13 anos. Começou eu descrevendo, ao final do dia, as minhas brincadeiras daquele dia. E logo vieram os primeiros cadernos de poesia. O contato inicial com a leitura veio através das revistas em quadrinhos, Walt Disney, e logo em seguida eu já passei aos livros. Um dos autores que mais me impressionaram nesse período foi Neimar de Barros, com uma escrita forte e contundente que acredito ter sido a minha primeira influência e que carrego traços até hoje. Não foi a temática religiosa, obviamente, que me marcou e sim o jeito dele escrever, com muito vigor. Depois vieram os poetas românticos, sobretudo os da 2ª Geração, do “Mal do Século”— Álvares de Azevedo, por exemplo. Mas as influências definitivas foram mesmo a dos autores que eu leio e admiro até hoje: Augusto dos Anjos, Drummond e Fernando Pessoa.
Como se dá seu processo criativo? Há algo que o inspire a escrever? Você tem algum ritual para a escrita? Hoje é diferente do que foi antes?
Difícil responder porque na verdade não há nenhum ritual e grande parte do chamado “processo criativo” se dá de uma forma um tanto quanto inconsciente, ou seja, eu não sei como se dá. Tudo e nada me inspira a escrever e quando o faço acredito ser em grande parte por derivações, associações, tabelas... ascensões e quedas. Os dois lados da mesma moeda. O procedimento tende a ser o mesmo, porque cíclico, embora atualmente haja mais rigor estético.
Você enxerga alguma cronologia nas suas obras já publicadas? Continuidades, rupturas?
A cronologia das obras segue, naturalmente, a cronologia da vida. Mais ou menos como na resposta anterior. Continuidades e rupturas se misturam e pouco se diferenciam, mas se eu tivesse que apontar uma, acredito que tenha havido mais continuidade do que ruptura, posto que a literatura é sempre um desdobramento.
Quais diferenças você nota nas suas primeiras poesias publicadas no livro "O Acaso das Manhãs" quando confrontadas com as poesias do livro "A sentinela em fuga e outras ausências"? Essas diferenças são mais temáticas ou estéticas?
Provavelmente que mais estéticas, embora a comparação deva ser feita entre O Acaso das Manhãs, meu 1º livro, e Uma Escada que Deságua no Silêncio, publicado em 2009 e que foi o último em termos de cronologia da escrita. A Sentinela em Fuga e Outras Ausências, embora tenha sido publicado agora em 2011 é anterior ao “Escada” e, neste sim, eu percebo algumas pequenas mudanças estéticas. Quanto à temática ela pouco muda e tem sido quase a mesma desde sempre, com algumas variações de autor para autor e de acordo com as respectivas épocas.
Você é capaz de identificar algum de seus livros que tenha sofrido maior influência das características do spleen romântico?
Talvez nos primeiros tenha havido um pouco mais de indícios, resquícios, mas acredito que não passam disso. Na verdade eu não acho que tenha muita influência do Romantismo enquanto escola literária. Considero-me um autor romântico por natureza enquanto pessoa e nas posturas diante da vida, mas minha poesia é contemporânea (como não poderia deixar de ser) e pouco carrega do chamado “spleen”, vigente na 2ª metade do século XIX.
Existe algum poema seu que consiga destacar como maior representante deste período literário?
Não saberia dizer.
Consegue relacionar suas obras a momentos específicos de sua vida pessoal? Acredita ser possível estabelecer estas relações?
Ah sim, essas relações são mais do que possíveis, e também necessárias. Minhas obras refletem, naturalmente, o que eu sou para aquém e além de mim. Os momentos específicos da nossa vida pessoal são diluídos na escrita para se condensarem, só assim deixam de ser momentos e se eternizam nos poemas.
O pessimismo presente em sua obra é uma característica apenas da sua escrita ou do autor?
Não dá pra dissociar completamente a obra do seu autor e nem o autor da obra que ele produz. São intercambiáveis e por serem assim as características se manifestam tanto na vida como na obra, mas não totalmente. Há sim um certo pessimismo intrínseco e inerente à vida de qualquer pessoa, basta olhar ao redor, e isso, claro que é repassado para a minha obra e retorna a mim para ser reprocessado; então ele existe em mim. Mas não é apenas isso: existe também muita revolta, uma certa ternura, algum humor e um pouco de esperança de renascer dentro da treva, o que também atende pelo nome de otimismo.
A morte é considerada até hoje um tema tabu. É por isso que o tema o atrai? Qual a razão dessa atração?
A morte atualmente é um tabu ainda maior do que foi antes, inversamente ao que ocorreu com o sexo. Eros e Tanatos caminham sempre juntos e é por isso que nos atraem. Em um buscamos a superação da morte e no outro a supressão do instinto, a calmaria após o espasmo. Sempre me interessei pela morte enquanto acontecimento e enquanto temática de reflexão, mas não acho que seja por ela ser tabu. É por estar grudada em mim.
O seu interesse pela morte se baseia em alguma filosofia específica ou é uma questão pessoal, uma dificuldade de lidar com a mesma que foi desviada para a literatura?
Toda filosofia não deixa de ser uma meditação sobre a morte e esse tem sido o seu grande tema, sobretudo no Existencialismo. Mas nenhuma filosofia dá conta de resolver essa questão que é de cada um, individualmente. A morte, sendo pessoal e intransferível leva cada pessoa a lidar com ela da maneira que pode. A dificuldade é de todos e é minha em particular. E enquanto dificuldade minha eu procuro desviá-la para dentro da literatura, que é onde eu posso encará-la de frente enquanto me desnudo para encontrá-la um dia, posto que é inevitável.
Descreva sua experiência de participação no 3º volume da obra: "A arte de morrer – visões plurais". Como você chegou a essa oportunidade?
Foi a partir de um convite que recebi do organizador da coletânea, Franklin Santana Santos. De início achei estranho eu participar em se tratando de um livro mais técnico e acadêmico, e coloquei esse meu receio para o Franklin que me disse que seria um livro com diferentes abordagens, multidisciplinar – daí o subtítulo “Visões Plurais”. Comportava, portanto, um texto literário e assim eu fiz. Extraí um trecho do meu livro “A Magia e a Arte dos Cemitérios” e mandei pra ele. O texto foi aceito e acabou fechando o volume 3 da referida obra, publicada pela Editora Comenius.
Como concilia a sua identidade de poeta com a de funcionário público?
Não concilio, tergiverso. Uma coisa bastante complicada essa e por isso ocorre uma dissociação. Mas de mim para mim a coisa fica mais ou menos resolvida através das pontes e atalhos que estabeleço. Agora, em nível de terceiros é como se fossem duas pessoas. No meu trabalho, por exemplo, poucos sabem que escrevo, que tenho essa ligação visceral com a literatura. Alguns procuram em mim o poeta, outros o homem e, ao final, acabam não encontrando uma coisa nem outra.
Há um poema publicado em seu primeiro livro, O Acaso das Manhãs, "Autorretrato", para o qual vem produzindo novas versões, II, III e IV. Existe uma evolução entre eles? Há relação entre a morte iminente, temática recorrente em seus poemas, e a necessidade de deixar "registros, retratos de si", periodicamente registrados para a posteridade?
É verdade, venho produzindo essa seqüência, mas não creio que haja uma “evolução” entre eles. São momentos distintos, parafraseados de mim mesmo. Esta relação que você aponta, entre a morte iminente e a necessidade de deixar “registros, retratos de si” é possível sim e tem a ver com a autotranscendência, algo como deixar pistas, pegadas na areia da posteridade que, possivelmente, ninguém há de notar.
Existem outros poemas que vêm sendo publicados em sequência, como por exemplo, Ciclo I e Ciclo II, 141-A e 459-A, Poética I, II, III, Pânico na avenida I e II. Qual o intuito? Eles são produzidos em sequência imediata ou após longos períodos de tempo?
Como eu disse, são momentos distintos, mas de certa forma sequenciados no tempo, daí seu caráter enumerativo. Geralmente ocorre um intervalo entre eles e, ocasionalmente, estão publicados em livros diferentes, mas não há intuito deliberado e a vida é uma questão de espaço.
Você utiliza alguns pseudônimos: Ferreira Jr, Dierval e Carlos Águia. De onde vem a inspiração para a criação destes? Há alguma diferença da escrita deles para a de Milton Rezende?
São pseudônimos e não heterônimos como o fez Fernando Pessoa, portanto não têm vida própria desvinculada da minha biografia. São desdobramentos de mim e surgiram de duas necessidades: participar de concursos e, principalmente, falar de mim mesmo como se fosse outra pessoa, já que eu não tenho quem o faça voluntariamente. Então, às vezes, surgia a necessidade de uma apresentação, de algum prefácio, e lá ia eu, transfigurado de mim mesmo, falar sobre aquilo que eu não sei. Na verdade é uma tentativa de diálogo no silêncio. Mas o Carlos Águia é médico e professor aposentado.
Há alguma razão estética para sua obra ser composta majoritariamente por poesias? Planeja escrever um romance?
Não me imagino escrevendo um romance, acho que não dou conta e também não tenho interesse. Ficarei circunscrito à poesia e à prosa poética e isso já é muito para quem planeja se expressar como personagem de si mesmo.
Alguns de seus poemas foram traduzidos e publicados em outros países. Fale um pouco sobre isso.
Foi na Argentina, através da Perpétua Flores, a quem não conheço e muito agradeço pela espontaneidade da ação. Revista Presencias era esse o nome e lá tive alguns poemas traduzidos e publicados.
Você tem vários artigos e poemas publicados em sites literários e blogs. Você considera que seu trabalho ficou mais conhecido com a utilização da internet?
A internet é uma poderosa ferramenta de divulgação, não resta dúvida, e como tal deve ser utilizada; mas persiste o problema fundamental que consiste na seguinte pergunta: quem e quantas pessoas acessam esses sites e blogs de literatura? Acredito que a democratização que a internet proporciona é salutar, mas nem sempre é compartilhada como deveria e muita coisa boa “se perde” nessa imensa rede cibernética composta de milhões de informações e de silêncios eloquentes.
Qual critério você usa para escolher qual poema vai publicar em uma revista ou blog?
Isso é meio aleatório e não existe um critério definido de escolha desses poemas. Prevalece a intuição e, muitas vezes, a escolha nem é do autor. Acontece da gente enviar alguns poemas a serem selecionados e também se dá que a seleção é feita a partir dos próprios livros publicados e, nesses casos, o autor nem é informado sobre isso... é preciso recorrer ao Google para saber.
Seus dois filhos, Stael e Felipe, já escreveram poemas em um estilo bem semelhante ao seu. Você acha que os influenciou? Essa influência foi direta ou indireta?
Meus filhos escrevem poemas, mas eu não saberia dizer sobre essa suposta semelhança de estilos entre eu e eles, e também sou suspeito para falar disso. Cabe a eles estabelecerem um estilo próprio e percebo que caminham nesse sentido, posto que possuem forte personalidade e independência. Mas é lógico que eu os influenciei de certa forma, indiretamente, através do gosto pela literatura. Cresceram e viveram nesse ambiente de livros.
Percebemos muitas epígrafes em seus livros, você as utiliza com algum propósito no momento de criação?
É verdade, existem mesmo muitas epígrafes nos meus trabalhos e dois propósitos me movem: primeiro é uma homenagem que faço aos meus poetas e escritores prediletos e depois também há a questão do insight, daquele gancho, do mote que desencadeia todo um processo criativo. Vou por aí, com a concepção de que o poema não deve ter palavras sobrando e nem faltando. Esta é a minha única medida.
Você acredita que o isolamento das capitais, bem como os demasiados aspectos interioranos, atrelados à diversidade de influências literárias foi um fator constituinte e determinante para o estilo da sua escrita?
Sem dúvida que o fato de ser mineiro, de ser nascido e criado no interior de Minas Gerais, longe das capitais e fora do chamado eixo Rio-São Paulo – isso teve o seu peso e a sua influência na minha escrita. Mas veio naturalmente, tudo no seu tempo, quando teve que ser, e a literatura é meio que independente da vida e tem lá os seus próprios mecanismos. Essas características e circunstâncias podem ter determinado o enfoque, a maneira de dizer, mas não há nada de novo sob o sol que já não tenha sido vivenciado antes.